terça-feira, 9 de julho de 2013

Canadá—Lac-Mégantic: horror anunciado

Lac-Megantic, uma tragédia anunciada. Reuters/Público.

Privatizar para isto, não! 

Em Portugal houve recentemente dois descarrilamentos cujos inquéritos adormecem ao colo da burocracia e dos políticos ineptos, cobardes e corruptos que temos e continuamos a eleger alegremente. No caso, por sorte, não houve nem mortos nem feridos, e não houve, felizmente, uma tragédia como aquela que acaba de ocorrer num país onde estas coisas pareciam impensáveis: o Canadá. Talvez porque a sorte nos acudiu uma vez mais, o rapaz das PPP (Sérgio Monteiro) que os rendeiros do regime colocaram no ministério do infeliz Álvaro Santos Pereira, continue a assobiar para o lado no que não é mais do que o reflexo inevitável da poupança criminosa de um estado falido na manutenção das vias ferroviárias e material circulante por onde passam milhões de portugueses todos os anos.

As notícias da imprensa que temos (Público) relatam o espectáculo de Lac-Mégantic sem uma referência às possíveis causas do acidente, pelo que vale a pena ler o artigo sobre esta tragédia publicado pela insuspeita Reuters:
“Burkhardt’s privatization approach spread to deals with investment firms to pick up government-run railroads in New Zealand, the United Kingdom and Australia, according to media reports at the time. The deal in New Zealand later led to Burkhardt being named the honorary consul for that country in the Midwest, a role he continues to hold today.

But as profits from the overseas ventures cooled and the company’s once-soaring share price slumped, Burkhardt was later ousted from Wisconsin Central’s chief executive spot.

His Rail World purchased the assets of what became the Montreal, Maine & Atlantic Railway out of bankruptcy in 2003.”




Entretanto recebi uma mensagem de uma amiga canadiana, Chantal Tremblay, antiga diplomata especialista em assuntos económicos, sobre o acidente que vitimou um número ainda indeterminado de vítimas humanas.
Olá António,
Sim, é uma tragédia, mas uma tragédia anunciada:

1º. O dono da empresa MMA, um tal de Buckhardt, é uma caricatura para um cenário de filme de serie B. Compra empresas por privatizar aos governos famintos, depois reduz os custos fixos (leia-se destroi os sindicatos, não investe nada nas infrastructuras, utiliza o material rolante até cair de podre, rege-se pelas normas mínimas e aproveita a falta de inspecções, etc.) Ou seja, o capitalismo selvagem na sua expressão mais caricata.

Leia este artigo da Reuters e cuidado porque o homem age também na Grã-Bretanha e na Polónia!

2º. Os governos de direita, como o governo do Harper, desregulam e desmantelam os organismos de supervisão, até isto acontecer. A bem da verdade houve muitos derrames de produtos químicos, e “derailment” nos últimos anos. Mas nada para fazer correr tanta tinta. Os especialistas dos transportes eram vozes no deserto quando diziam que não havia controle, nem inspecção, nem mínimas regras de segurança.

3º. É também o resultado dum sistema em ruptura. Como as sociedades norte-americanas /canadianas continuam a alimentar-se de petróleo, mas produzem agora a maior parte de seu consumo, o transporte do crude ficou virado de avesso. Até há menos de uma década o crude chegava em navios-tanque que atracavam em portos onde estão/estavam localizadas as refinarias. Agora o crude vem do oeste canadiano ou, como neste caso, do Dakota do norte; o gás vem da Pensilvânia e similares. Como há muita oposição à construção de novos oleodutos (os ambientalistas às vezes pensam menos que pássaros), então fazem duas coisas perigosas: a) invertem o fluxo dos velhos pipelines que levavam petróleo refinado da Costa Este para o centro do continente, para transportar crude pesado (e abrasivo) do centro para a Costa Este; ou então transportam o crude por via férrea, o que se afigura muito fácil, porque o transporte ferroviário não é regulado como o transporte aéreo, nem o terrestre. Nos últimos 10 anos o crescimento do transporte de matérias inflamáveis ou cáusticas por comboios cresceu 28,000% (não há erro, vinte oito mil por cento!)

4º. Lac-Mégantic era uma pequena jóia na berra do lago com o mesmo nome, e como dizia uma residente, “suficientemente longe de Montréal (300 km, na fronteira com o Maine) para não ser invadida pelos urbanos todos os finais de semana. Já chegámos, hoje à noite, aos 13 corpos (restos carbonizados) recolhidos e mais umas 40 pessoas “desaparecidas”. O caminho de ferro tinha sido construído no principio dos anos 1900 para transportar papel de jornal para o mercado americano. Quando passou a não servir mais, no final do século (1983), foi privatizado e os “Buckhardt” deste mundo inverteram o fluxo para levar petróleo bruto até New-Brunswick (as refinarias da família Irving).

António Cerveira Pinto

1 comentário:

  1. Mais info: 1 - nos Estados- Unidos o Governo passou a obrigar a presência de dois condutores num trem de mercadórias quando uma empresa tive alguns descarrilamentos, o que é o caso da MMA, todávia não é obrigatório no Canadá!
    2- Os wagones são vulgares wagones de transporte de liquidos, podiam transportar tanto azeite, como xarope de milho ou petróleo
    E não há nenhuma obrigação de divulgar os conteúdos. nesse caso havia 73 wagones de crude que desvaliou o equivalente a Serra do Caramulo .

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