Vítor Gaspar tem que explicar o que fez. |
Quem disse que o corporativismo acabou?
Ao contrário dos fundos públicos geridos pelo Estado, o fundo de pensões do banco central tinha mais dívida belga e francesa que portuguesa
O fundo de pensões do Banco de Portugal constitui um caso de excepção, a vários níveis. É o único fundo com a responsabilidade pelo pagamento de pensões de quadros bancários que se mantém independente no sector, após a transferência feita em 2011. É também o único fundo de pensões público que se mantém autónomo, ou seja, não foi integrado na Caixa Geral de Aposentações.
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No passado recente, vários fundos de pensões do Estado, designadamente de empresas públicas ou privatizadas - Caixa Geral de Depósitos e Portugal Telecom -, foram transferidos para a Caixa Geral de Aposentações. Estas operações geraram uma receita extraordinária para cobrir o défice público. Mas neste processo, todos os activos dos fundos foram convertidos em dívida pública.
No total, o património dos fundos de pensões públicos já têm 10 mil milhões aplicados em dívida portuguesa. Este valor pode chegar aos 14 mil milhões de euros até 2015 com a mudança aprovada pelo governo em Julho, tornando-se um maiores detentores da dívida. i online, 20/8/2013.
O BdP, que é público, não pode financiar o défice português? Pode. Tanto pode que tem na sua carteira de investimentos, Bilhetes do Tesouro e Obrigações de Dívida Pública (ver tabela em baixo). A exceção decretada, por omissão, por Vítor Gaspar horas antes de abandonar o gabinete do Ministério das Finanças, é tão só o reflexo típico do corporativismo e falta de vergonha imbuídos no regime. Ambos são uma herança salazarista que a democracia populista que temos não eliminou. Pelo contrário, expandiu e transformou no lastro de corrupção que atirou o país para o buraco.
Entretanto, 90% da reserva do fundo de pensões foi entalado por Gaspar, sem qualquer diversificação de risco, em dívida portuguesa. Eu acho que o homem deveria ser preso!
No fundo, o que Gaspar fez (depois de um telefonema do Wolfgang, imagino...) foi capturar 90% da reserva do fundos de pensões público para um possível 'bail-in', caso governo e oposição continuem a adiar a reforma do Estado e sobretudo das burocracias, corporações e rendeiros. É a mesma receita aplicada por Rajoy. Em Espanha as compras chegam aos 97% das reservas do fundo de pensões público!
Por um lado, enfiar os descontos dos pensionistas em títulos e bilhetes do tesouro é indexar o valor real das mesmas à correção do défice e à célebre desvalorização fiscal. Ou seja, é uma maneira indireta, mas efetiva, de forçar a diminuição do défice. Ou emagrecemos a despesa pública agregada, e aí a confiança dos credores regressa paulatinamente, ou não, e aí... Bom, neste caso, teremos um novo resgate e um sempre possível perdão parcial da dívida. Mas se tal vier a ocorrer, a medida que Vítor Gaspar tomou antes de sair do gabinete significará que os quatorze mil milhões de euros de exposição das pensões públicas à capacidade do Estado pagar as suas dívidas estarão inexoravelmente sujeitos a um corte de cabelo de 10%. 30%, 50%, 60%...
A ameaça de uma tosquia com Máquina Zero passou a ser real!
Resumindo: a última decisão de Gaspar-Schauble é uma espada de Dâmocles sobre as cabecinhas dos partidos sentados na AR e sobre o regime. E o Banco de Portugal ficou a salvo desta ameaça. Noblesse oblige!
PS: Acabo de ler um artigo certeiro e oportuno do Daniel Deusdado sobre este mesmo assunto, que recomendo.
NOTAS
Banco de Portugal, 2012. |
António Cerveira Pinto
Última atualização: 21/8/2013 - 23:14 WET
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