domingo, 29 de setembro de 2013

Livrar o templo de parasitas

Templo de Herodes de onde Jesus expulsou os 'vendilhões', ou judeus cambistas da época, cujo negócio era emprestar dinheiro e cobrar dívidas. Maqueta existente no Museu de Jerusalém (in Wikipedia)

Os economistas portugueses corrigem pouco a pouco a sua miopia
Dinheiro Vivo: Escreveu, recentemente, que quem pede perdões de dívida sabe o que diz mas não sabe o que faz. O que quer dizer com isto?
João César das Neves: As pessoas são míopes, olham para o imediato.  E isto não é um almoço grátis, porque terá enormes custos no futuro. Por isso é que os países andam a tentar o  impossível para não pedir o perdão. Se fosse tão fácil como as pessoas dizem, toda a gente pedia perdões. O perdão faz com que as pessoas fiquem a arder com o seu dinheiro. E é importante dizer, que são donas de casa, funcionários, pessoas como nós, que puseram dinheiro no banco. Aliás somos mesmo nós, porque a maior parte da dívida do Estado está, neste momento, em bancos portugueses e, portanto, é o nosso dinheiro, que está depositado nos bancos, que ficaria a arder. Quem fala de perdão nem sequer está a perceber esse ponto. Mas, sobretudo, o que estão a esquecer é que isto tem custos durante muito tempo. Um país que renuncia à sua dívida, ou que pede perdão, vai ter que pagar isso com língua de palmo, durante muito tempo, por não ter acesso ao crédito, o que, aliás, estrangularia o país, e depois, por ter taxas de juro muito mais altas, que se pagariam durante muito tempo. É por isso que não anda toda a gente a pedir perdão da dívida. Se fosse assim, era fácil, endividávamo-nos e depois olha, azar, não pagávamos. A maior parte das pessoas não sabe qual é o custo verdadeiro do que está a dizer.
— César das Neves: "Os bancos e as grandes empresas não ajustaram" (Dinheiro Vivo

João César das Neves é um leitor tardio do que escrevo e, embora tarde, lá foi percebendo, como muitos outros economistas retardatários, que a dívida externa foi um garrote invisível da economia e das finanças do país. E também entendeu, finalmente, que o país continua a ser um regime burocrático, corporativo e de grandes rendeiros, sem imaginação e sempre à cata de esmolas e de esquemas. Mais vale tarde do que nunca, embora, francamente, seja já um pouco tarde para salvar o paciente :(

No entanto, JCN e a maioria dos economistas indígenas continuam sem perceber um ponto importante, ou melhor, perceberam já que os devedores da Tugalândia, sobretudo os devedores ditos soberanos, são plenamente responsáveis pelo colapso financeiro do país (partidos, todos os partidos sentados na AR, sindicatos, associações profissionais e empresariais, oligopólios e banqueiros, incluindo o central); mas não perceberam ainda que os credores também são parte interessada no Grande Roubo em curso!

Os vigários enviados pelos credores/especuladores, que hoje são ou se sentam ao lado dos primeiro-ministros de Portugal (Moedas e Rato), de Espanha (Guindos), do Banco de Inglaterra (Mark Carney), do BCE (Draghi), etc., são os 'masterminds' do colapso financeiro mundial. Na realidade, o que fizeram foi simples e sinistro: criaram crédito virtual infinito, correspondendo a uma riqueza inexistente(1), e agora pretendem que o 'principal' e os juros do dinheiro digital emprestado sejam pagos em ativos reais: trabalho gratuito, edifícios, terras férteis, redes inteiras de energia, rios, zonas costeiras, água potável, ouro e perdas aceleradas de soberania.

É por isto que, mais cedo ou mais tarde, haverá uma nova guerra mundial, ou se a perspetiva de um aniquilamento mútuo das forças em presença for evidente, talvez tenhamos um Jubileu Universal da Dívida. Quer dizer, uma espécie de 'bail-in' distributivo, em vez de austeridade dirigida ao saque generalizado da riqueza privada e pública dos mais fracos e dos menos fortes.

Conclusão: é preciso mudar radicalmente o regime que domina o país, e para isso precisamos de uma NOVA CONSTITUIÇÃO e da substituição das predominantes 'instituições extrativas' (Acemoglu) e elites rendeiras, corruptas e autoritárias que dominam e vêm destruindo o país, por 'instituições inclusivas' e democracias transparentes, leves, desburocratizadas e participativas, onde os referendos nacionais, regionais e locais passem a ter uma prevalência sobre os cozinhados fedorentos da corja partidária.

Portugal vai piorar, e muito, antes de melhorar, se melhorar. O tempo para reunir a gente honesta e atenta deste país já começou a contar. Esperar pela regeneração da corja partidária, mantendo o regime como está, é um atavismo criminoso. Esperemos que as eleições de hoje sejam o ponto de partida para a mudança e preparação de Portugal para um futuro renascimento cultural.

NOTAS
  1. O valor 'nocional' dos contratos, privados e não supervisionados, de derivados especulativos (OTC), ou de 'balcão', de que os SWAP de taxas de juro e de câmbios são a maioria, supera o PIB mundial em mais de 10x o seu valor. Alguns supõem mesmo que este potencial de destruição poderá chegar até 20x o PIB mundial.
António Cerveira Pinto

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